quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Com a palavra, o cantor e compositor Zé Miguel

Cantor e compositor, Zé Miguel é um dos maiores expoentes da música popular amapaense. Surgiu na década de 80, nos festivais promovidos pelo Sesc. Com vários CDs gravados, já fez show inclusive no Canecão (RJ) e na Alemanha.
Apaixonado por Macapá não consegue ficar muito tempo longe daqui. Certa vez, passando uma temporada no Rio de Janeiro, a saudade foi tanta que cantou que tinha que voltar pra casa de qualquer jeito: a pé, ou de carona em um caminhão ou até na asa de um avião.
Uma de suas músicas é a cara do caboclo amapaense e pedida em todos os shows que faz. Começa assim: “A vida daqui é assim devagar, não falta mais nada pra atrapalhar, basta o céu, o sol, o rio e o ar e um pirão de açaí com tamuatá”.
Sobre o que escrevi no Dia da Cultura, Zé Miguel se manifestou assim na caixinha de comentários:
Oi Néa, chorei ao ler teu artigo sobre cultura, tenho andado angustiado há tempos com as mesmas inquietações que manifestas, estamos perdendo a memória, e povo sem memória é povo sem identidade, povo sem identidade é folha vagando ao vento, ao sabor das tempestades das mazelas sociais, povo sem identidade vota em qualquer um, aceita de bom grado e participa de atitudes como o famoso jeitinho brasileiro, onde nada é exatamente ilegal ou imoral, há sempre o jeitinho...
Povo sem identidade, acha que não deve pagar para consumir produção artistica, não vê o artista como um profissional que precisa sobreviver do seu trabalho, fica aí então praticamente institucionalizada a famosa palhinha... Ou canjinha.
Quase já não temos memória hoje, pelo menos não preservada, e com essa ausência esvai-se o respeito com a história e seus expoentes, se saíres pelas ruas perguntando quem foram as pessoas que dão nomes as nossas ruas e avenidas, verás que quase ninguém sabe quem foram ou o que representaram, Talvez também por isso, nosso saudoso poeta Alcy Araujo teu pai, dizia... Não quero virar nome de rua, se não vão continur pisando em mim...
Hoje, querida amiga, não dá nem pra pisar na história... Ela praticamente não existe!
Mas quero que saibas que alguém mais divide contigo as mesmas inquietações, alguém mais está disposto a ir além das palavras e fazer alguma coisa.
Um grande beijo, querida amiga.
Zé Miguel”


Publico aqui pra vocês o poema de meu pai Alcy Araújo (1924-1989) sobre o qual Zé Miguel faz referência em seu comentário.
JARDIM PODE
Alcy Araújo Cavalcante
Como tenho sido pisado
espezinhado, espinhado, repisado
pela vida, pelos desencantos
e desesperos, angústias, desamores.
Canto a terra
a dor dos aflitos
e a inútil esperança dos desesperançados.
Também os negros, os índios e o verde
e presto relevantes serviços topográficos
demarcando itinerários de poesia.
Quando eu morrer
algum vereador
que leu ou sentiu meu verso
que sabe ou ouviu falar do meu cantar
apresentará projeto de Lei
para que eu vire beco, rua ou avenida.
Não quero esta homenagem
Recuso até ser praça
alameda, assim também parque ou estrada.
Quero ser um teatro
um obelisco, uma escola.
Academia também não.
Rua, avenida, beco, não quero não.
Não quero que continuem pisando em mim.
Pisar em mim,
só se eu virar jardim.
(Admirador de meu pai, mas sem conhecer ainda este poema, tão logo meu pai morreu o então vereador Edinho Duarte, hoje deputado estadual, apressou-se em apresentar projeto de lei dando o nome de meu pai a uma rua de Macapá. Corri para a Câmara de Vereadores, agradeci a intenção do vereador de prestar homenagem a um dos maiores poetas e jornalistas que este estado já teve e entreguei-lhe uma cópia desse poema. Assim, ele retirou o projeto de pauta.)