terça-feira, 24 de junho de 2008

Uma crônica de Ernâni Motta

Carimbo, como me livrar dele?

Essa coisa chamada carimbo me atormenta a vida, desde que nasci. E não só a mim, como a todo o mundo, duvida? Então, comece a pensar no quanto um simples carimbo pode fazer uma enorme diferença, no seu dia a dia.

Repare a sua Certidão de Registro de Pessoas Naturais, aquele papel mais conhecido como “certidão de nascimento”, se não tivesse o carimbo do tabelião não seria válido e aí babau cidadania. Verdade, sem ele, você sequer entraria para a mais simplória das estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

Isto, porém, é só o começo, porque depois vêm as cadernetas de vacinação, que precisam ser carimbadas para comprovar que você recebeu as vacinas. Não sei o que é mais chato, se as doenças ou os carimbos, ou a falta deles.

Você cresce. E chega a hora de ir para a escola e, então, meu amigo, a partir daí é uma profusão de carimbos. A sua matrícula na escola só se efetivará com o carimbo da diretora do estabelecimento, sua presença diária será anotada com a batida de um carimbo, as notas, no seu boletim, só são válidas com o carimbo da professora e por aí vai...

Mais pra frente, os meninos precisam se apresentar, por obrigação legal, a uma das forças militares e mais uma vez os carimbos se fazem necessários, senão, nada conseguirão realizar. Aos 18 anos, meu Deus!, precisamos portar a cédula de identidade, título de eleitor, para conduzir um veículo carteira de habilitação, cartão do CPF, mais esse e aquele documento... Todos, porém, só serão válidos se tiverem o carimbo da autoridade competente ou legal.

Antes, passamos pela adolescência, então, inauguramos a vida a dois, com os primeiros namoros. Ufa! Até que enfim encontrei algo que dispensa carimbos. Para namorar não precisamos de carimbos de ninguém. E há instante, em nossas vidas, em que nos sentimos mais felizes do que quando começamos a namorar? Numa relação direta das coisas, eu diria que para se ser feliz não necessitamos de qualquer carimbo.

Mas, não se alegre muito, porque ao decidir transformar a relação de namoro para casamento, o danado do carimbo vai ser preciso. Do padre, do pastor ou juiz, tanto faz, sem carimbo, o seu casamento não é validado.

Então, os filhos nascem, e tudo recomeça... São tantos os carimbos nessa vida, que há quem ache que levará o seu para o além. Lembro dos meus tempos de funcionário do Banco do Brasil, quando havia quem entendesse que o peso do carimbo de um determinado chefe era maior do que o de outro. Ou seja, a autoridade do tal chefe se efetivava pelo poder do carimbo.

Por falar em Banco do Brasil, certa vez, chegaram alguns auditores à agência em que eu trabalhava e um deles era especializado em carimbos. Lá, um dos supervisores guardava os seus, numa das gavetas de sua mesa, e quando o auditor especialista viu aquilo quase teve uma síncope, pois, os carimbos deveriam ser colocados num objeto que ele chamava de “árvore” e que estava desprezada, num canto da mesa. O sabichão com óculos de grossas lentes (todo sabichão usa óculos de grossas lentes) pôs-se a mostrar ao supervisor o tempo que economizaria se tirasse os carimbos da gaveta, colocasse-os na bendita árvore e, quando precisasse de um deles, de lá o apanhasse.

Algum tempo atrás, eu estava em uma repartição pública e assisti a um contribuinte ter seu documento recusado, porque faltava o carimbo do chefe. E de nada adiantaram as argumentações apresentadas pelo cidadão... Foi preciso que ele voltasse à sala onde fora atendido anteriormente para que o tal carimbo fosse batido.

Eu não sei quem, nem quando, muito menos onde essa coisa chamada carimbo foi criada, mas, para que, posso deduzir: para infernizar a vida de todos os mortais. Por causa do carimbo muita gente ainda não existe e muitos mortos não puderam ser sepultados.

A tecnologia avançou horrores. Como dizem os modernos, a última geração tecnológica é indefinida, ou seja, o upgrade de hoje será superado pelo de amanhã, mas, o carimbo continua resistindo a tudo e a todos. Aliás, os carimbos, persistentes que são, modernizam-se de acordo com o avanço da tecnologia. Hoje, aqueles pesadões de ferro ou de madeira, com cabos arredondados deram vez aos cheios de modernidades, por isso, não precisam mais das velhas almofadas banhadas de tinta, minuscularizaram-se e podem ser carregados no bolso pelo proprietário. Ainda assim, acho que a tecnologia precisa repensar os seus caminhos modernizantes, para quem sabe, um dia, extinguir essa “coisa”?

E, nesses tempos de temperatura baixa, antes que lhe cobrem a presença de um carimbo que comprove que o inverno, de fato, chegou, o melhor que você tem a fazer é ir namorar, que ainda é a única atividade humana que não necessita de carimbo, pelo menos, que eu conheço.