domingo, 12 de outubro de 2008

Artigo

UMA FELIZ COINCIDÊNCIA
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá

Por uma feliz coincidência, este ano celebramos o Círio de Nossa Senhora de Nazaré no mesmo dia em que o Brasil inteiro invoca a padroeira nacional: Nossa Senhora Aparecida. Este domingo vai ser um dia “mariano”, ao menos para os que olham Maria, a mãe de Jesus, sem pré-conceitos e sem medo de serem enganados.

Milhares de pessoas, em muitas Igrejas e Santuários, em centenas de procissões, pedirão a benção da “mãe querida”. É verdade que outros milhares de cidadãos passarão o domingo em busca de diversões, com suas famílias, colados na televisão, talvez articulando negócios e imaginando lucros. Cada um de nós vive conforme as nossas possibilidades, a sua situação, mas também correndo atrás dos seus sonhos e das suas escolhas.

Para muitos será um dia de fé, de orações, de louvor e de emoção. Para outros será um domingo qualquer. Não serve aqui discutir quem está certo e quem está errado. Talvez seja melhor nos perguntarmos quem se sentirá mais feliz ao final do dia. Quem terá puxado a corda da berlinda ou quem terá ficado indiferente, crítico ou até revoltado vendo o Círio passar?

Hoje, respeito e pluralismo, também nas expressões religiosas, são direitos adquiridos. Contudo vale a pena nos perguntar por que muitos se sentem quase na obrigação de acompanhar o Círio, de enfeitar as ruas, de manifestar alegria e entusiasmo, e outros ficam só olhando como se fosse simples folclore ou o último resquício de uma religiosidade em extinção? Não há uma resposta simples. Porque cada um responde com a prática da própria vida. Participando ou... não ligando.

E não tem jeito. Para “sentir” o Círio, precisa estar lá. O interessante é que ninguém é obrigado a participar. Vai quem quer. Vai quem se sente bem. Vai quem, no fundo do seu coração, sabe que acredita. Muitos fazem grandes esforços para não perder o Círio. Levantam cedo, participam e depois voltam para casa como podem. Cansados, porém radiantes. Voltam à vida de todos os dias, mas dizem, com a luz nos olhos: “Este ano fui ao Círio!”

Todos cantam e rezam. Muitos choram ou sentem um nó na garganta ao ver, e quase tocar, aquela multidão. Alguns vão para lembrar e agradecer, outros vão para esquecer o passado, virar página e pedir uma nova chance. Alguns pagam por promessas feitas, outros fazem promessas para o próximo ano. Alguns, simplesmente, curtem um momento diferente nas suas vidas, lá, no meio do povo. Na procissão somos todos iguais, todos um pouco envergonhados porque aquela festa acaba e nos deixa a culpa de não saber continuar a sermos mais irmãos. Se conseguimos ser felizes com tão pouco e por tão pouco, por que saímos nas ruas somente um dia e depois, quase, escondemos a nossa fé? É bonito cantarmos juntos as bênçãos de Deus, os louvores de Maria, no entanto é tão difícil, depois, partilhar amizade, solidariedade, compaixão e misericórdia.

Maria de Nazaré - Nossa Senhora de tantos nomes - sempre será o que foi: a pobre moça de uma aldeia desconhecida da Galiléia, que nunca inventou nada, nunca escreveu nada, nunca fez nada para ser famosa. Nunca ganhou concurso, prêmio ou medalha.

Contudo Maria sempre será a “bendita entre as mulheres” como também aquela que “todas as gerações chamarão de bem-aventurada” porque, um dia, aceitou colaborar com o projeto de Deus. O sim de Maria transformou a vida dela e a vida da humanidade. Quando entendermos que Deus não quer disputar conosco, mas que Ele quer ser o nosso grande amigo; quando compreendermos que o sentido e a felicidade da nossa vida consistem em acolhermos o seu maravilhoso plano de amor, nesse momento a nova humanidade, que Jesus começou, será também a nossa. Maria abre a fila destas novas pessoas, capazes de oferecer a própria vida, confiando mais em Deus que nos seus pobres planos humanos.

No dia do Círio deixemos entrar o Senhor na nossa vida. Ele vai mudá-la, por dentro e por fora. Não deixemos fugir das nossas mãos e dos nossos corações um momento tão bonito, humano e fraterno. Guardemos conosco um pouco daquela fé que nos faz cantar e chorar de alegria, como Maria, que guardava os acontecimentos e os meditava no seu coração. Porque Maria une as famílias, abranda as iras, nos liberta do ódio e da vingança. Maria nos ensina a rezar. Ela nos ensina a ser humildes, pobres, sem poder, mas felizes.