quarta-feira, 24 de junho de 2009

Chá das cinco

EU E A CHUVA
Hildemar Jorge Mauro

Relampeia.
Um trovão se faz ouvir.
É noite negra lá fora e sopra o vento e a chuva cai.
Do sótão observo o movimento na rua:
um e outro passante apressado me faz sentir menos só.
Chove mais forte agora.
Ao longe uma luz.
Incomoda-me.
Não quero deixar-me influenciar pelo ambiente,
porém não consigo,
pois foi em uma noite assim que nos separamos;
então saí pelas ruas, cabisbaixo... mãos nos bolsos,
chutando aqui e acolá alguma coisa...

Chove ainda.
Neste momento tudo me parece mais difícil.
Nunca mais te encontrei!...
Tantas e tantas nos separaram...
- O mundo é mal ou nós é que não estávamos preparados?
Fixo os olhos no deslizar de águas pelo asfalto,
e elas confundem-se com choro lento e amargurado,
talvez mais amadurecido,
que me veio sem eu sentir...
Amo-te tanto, tanto, que o sofrimento parece doer fisicamente.
Pensamentos mil se me atropelam,
já não consigo coordená-los.
Começo a relembrar cenas da infância,
passagens da adolescência...
A chuva diminui de intensidade.
Lentamente olho para o interior do quarto,
amigo único e inseparável.
Um clarão ilumina-o por instantes.
Sinto-o mais acolhedor, mais humano e solidário.
Tenho vontade de ir lá fora,
correr,
pular,
cantar,
rir, rir, rir, rir e depois chorar, chorar, chorar, chorar...
Ilusões perdidas,
sonhos desfeitos,
amargura, solidão, melancolia,
sujeira, podridão...
Ira incontida!
Ódio de tudo e de todos!
Vão para o inferno, desgraçados!!!

Chove, chove,
sempre a eterna chuva.
Não pára nunca!?

A vida é engraçada... tão engraçada...
O que sou agora? Nada. Simplesmente um nada...
ocupando espaço e tempo sem saber porquê e para quê...
Filosofias... vãs filosofias...
Homens! Homens!
Que fizestes? Por que tanta confusão?
Estúpidos homens!...
Já nem sabem distinguir a magia de um ângelus e um tanque de guerra.
Esqueceram que
o sorriso de uma criança,
o cantar de um pássaro,
um repicar de sinos,
uma palavra amiga,
nos levam a pensar em um ser supremo e incomensurável.
Sofro a angústia da incerteza,
o medo da destruição homem pelo homem,
o aniquilamento das forças morais.
Não, não posso me desesperar:
ainda há homens que passam a vida amando seus semelhantes.
- É por isso que devo acreditar na Humanidade.
A chuva pouco a pouco torna-se mais branda,
estou me sentindo cansado.
E, no entanto, vou bem longe, bem além,
vejo cores, mil belezas,
mundos e cidades desconhecidas,
coisas fantásticas:
Paz, Harmonia, Amor...
Quebra o encanto,
volto à terra,
olho a vidraça
e a chuva fina passa.